Próximo dia 31 de outubro vamos comemorar 499 anos da reforma protestante, marcada em 1517. Na ocasião, o monge Martinho Lutero pregou na porta da catedral de Wittenberg as 95 teses da reforma, formalizando uma série de conflitos doutrinários que já existiam dentro do que até então era considerada a “igreja oficial”.
Lutero “selou” a reforma que havia começado séculos antes dele, através de pré-reformistas como Pierre Vaudès, (1140 – 1220) John Wycliffe (1328 – 1384) e John Huss (1369 – 1415).
1517 foi o ano em que as 95 teses de Lutero cravaram, oficialmente, a base doutrinária pela qual os “protestantes” iriam romper com a Igreja Católica, passando a seguir o que ficou conhecido como os Cinco Solas da reforma protestante, a saber:
Sola Gratia – Somente a graça
Solus Christus – Somente Cristo
Sola Scriptura = Somente a Escritura
Sola fide – Somente a Fé
Soli Deo Gloria – Glória somente a Deus
Diferente do que muitos imaginam, os cinco solas não significam a negação da compreensão histórica, crítica, de cada um desses elementos. Muito pelo contrário!
Quando fazemos a leitura da bíblia, por exemplo, ela necessita de uma análise hermenêutica e exegética para que todos os outros elementos sejam compreendidos corretamente.
Isso demanda racionalidade humana, sim, e de conhecimentos acadêmicos diversos, mas todas sob a perspectiva de que a bíblia interpreta a própria bíblia.
Foi sob o fundamento da suficiência das escrituras como revelação de Deus que a Reforma Protestante construiu seus alicerces.
As Escrituras (1), portanto, para os cristãos protestantes, são a única fonte de autoridade acerca da Fé (2) em Cristo (3) e sua Graça (4), ambos apontando para Deus como único digno de ser glorificado (5). Dai a razão de serem Cinco Solas.
Protestantes – Uma classificação apropriada?
O termo protestante foi e ainda é uma espécie de pecha histórica, utilizada para classificar os que discordavam da “igreja oficial”.
Lutero, na verdade, nunca quis meramente protestar, mas sim reformar! Modificar o que segundo a leitura da bíblia mostrava estar errado na doutrina da igreja.
Mas, por outro lado, o termo “protesto” veio bem a calhar, pois sua origem vem do latim, protestari, que significa “declarar em público, testemunhar”. Ora, essa é justamente uma das grandes funções do cristão, como Jesus afirma:
“…recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra.” (Atos 1:8)
Esse testemunho é verbal, intelectual, mas principalmente uma dimensão de vida prática:
“assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” (Mateus 5.16).
Paulo também nos convoca para uma transformação com base na inconformidade com as coisas ruins desse mundo:
“E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento…” (Romanos 12:2).
Observe então que vivenciar o evangelho implica testemunhar, declarar publicamente nossa fé, assim como fizeram os Profetas, Jesus e seus discípulos, sendo perseguidos e massacrados por isso. Assim Cristo adverte:
“Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa.
Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós. (Mateus 5:11,12)
Não à toa, todos os reformadores foram igualmente perseguidos, pois tiveram o ímpeto de anunciar a verdade do evangelho, contrariando os interesses das tradições religiosas, políticas e econômicas, assim como Cristo contrariou em sua época.
E nós, continuamos protestando?
Nominalmente, não importa se somos chamados de protestantes, evangélicos, cristãos ou até mesmo hereges, pois o que evidencia o verdadeiro cristão, como vimos acima, é o seu testemunho e declaração de fé.
Porém, será que atualmente fazemos jus aos patriarcas da fé, a Cristo como Senhor e os reformadores como precursores da liberdade religiosa?
A comemoração da reforma protestante deve ser um momento de reflexão acerca do “protesto” que temos feito, como cristãos, na sociedade atual.
Assim como o grande alvo de Lutero não foi a “igreja oficial”, mas sim os erros e mentiras, nosso papel é protestar, também, contra isso em nosso tempo.
A “igreja oficial” contra os protestantes da atualidade vai muito além de um sistema de crenças, dogmas ou lideranças equivocadas, seja de um segmento ou de outro.
Não se trata, portanto, de uma “instituição”, mas de um contexto espiritual no qual todos nós estamos sujeitos. Esse contexto é descrito por Paulo em Gálatas 5: 19-21:
“…adultério, fornicação, impureza, lascívia, Idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias,
Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus.”.
O cristão deve protestar contra tais coisas, começando com sua própria vida, mas também na sociedade como um todo, na forma como se posiciona, pensa, se comporta. Em suas decisões mais íntimas, mas também na vida pública.
Cada fruto da carne descrito por Paulo se desdobra em ideologias, comportamentos e “cultura” contrários à Palavra de Deus, inclusive religiões e crenças, mas que são aceitos e disseminados na sociedade como um todo de várias maneiras.
Protestar contra tais coisas significa, portanto, testemunhar a verdade do evangelho em nossa vida.
Exercer o chamado cristão no sentido mais original do termo igreja, ou seja; “Ekklesia = chamados para fora”, no sentido de declaração pública acerca do que cremos e não apenas de separação das coisas ruins.
Por fim, devemos comemorar a reforma protestante lembrando o sangue dos que foram mortos, perseguidos e injustiçados por amor a Deus, Cristo, trazendo sobre nós a “graça” da responsabilidade quanto ao papel do cristão na atualidade.
Compreender os imperativos “Ide” e “Fazei”, bem como o “Batizando-os”, de Jesus em Mateus 28:19, como uma ordenança de protesto contra o pecado, as mentiras, paixões e “filosofias vãs” desse mundo, para que muitos venham ao conhecimento de Cristo.
E não há jeito melhor de “protestar”, do que anunciando o amor de Deus, sua graça, misericórdia, perdão e Verdade oferecidos gratuitamente para todos que desejam conhecer e viver a plenitude de Deus em suas vidas.
“Antes, santificai em vossos corações a Cristo como Senhor; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a todo aquele que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1 Pedro 3:15)
Abraço e até a próxima!